quinta-feira, março 11, 2004

Fim-de-semana sem "xeta"

Fim-de-Semana sem xeta

Aqui há uns meses atrás, tinha eu descarregado numa sexta-feira e dirigi-me para a zona de Navarra, mais precisamente Villatuerta onde iria carregar para Portugal;
No caminho o camião avariou, uma qualquer impureza que se meteu nas ligações dos filtros ou coisa assim, o que é certo é que tive um Basco que parou o camião e me veio ajudar, não conseguindo deu a volta e levou-me no seu camião a uma oficina e foi-se embora, claro, eu na oficina não consegui resolver, ou melhor o homem que estava lá não quis ajudar, mas deu-me uma cerveja e vendo que eu estava a entrara em parafuso porque se aproximava a hora de a fábrica fechar para carregar, e bolachas também; Como vi que o meu problema não era resolvido, meti os pés a estrada e a caminhar vim vindo em direcção ao camião ao mesmo tempo que pedia boleia, um camião Espanhol parou, logo a seguir vi mais a frente um camião Português, ele o Espanhol, via rádio tentou imobilizar o meu colega, sem sucesso. Parou num café e pagou-me um café e levou-me ao camião; Logo a seguir vi um Jipe que andava por ali a fazer medições nas estradas, falei com ele e prontificou-se a ir comigo onde fosse necessário, fomos a uma oficina conhecida dele. Acabei por me desenrascar, de borla ( também não tinha dinheiro ) pôs-me a caminho do local de carga que estava pretíssimo, 30 km., chegado lá, tinha fechado.
Somente segunda-feira, Lunes dizia um espanhol para mim; Eu totalmente desanimado e sem xeta, vim para perto da Vila, fui a um café e disseram-me que não tinha problema para tomar banho e talvez até se arranjasse alguma coisa para comer, mandaram-me colocar o camião no largo da Igreja, pois ali estava sossegado e não incomodava ninguém;
Assim foi, no largo com algumas arvores e bancos de jardim, ao fundo ficava a Igreja, do lado onde tinha estacionado o camião, mais a frente havia um Padaria, pensei eu, ora bem tenho aqui 300 pst. Vou lá ver o que se compra.
Na padaria perguntei ao Sr. Se estaria aberto sábado e domingo, o que me respondeu afirmativamente, comprei um pão ( baguete ) e pedi-lhe se me enchia a garrafa com água, ao vê-lo disponível e simpático acabei por lhe contar o que se passara comigo, eu realmente precisava de contar ou melhor de descarregar o meu lamentável sucedido, estava realmente muito desanimado por passar um fim de semana imprevisto em todos os aspectos; O amável senhor disse-me que lamentava e até conhecia os donos da empresa mas não tinha qualquer hipótese de conseguir com que me carregassem o camião; E vim eu para o meu sitio.
Adormeci, sentado no banco do condutor, pois o dormir era a única fuga existente para assim passar o tempo o mais rapidamente possível; Acordei com um bater na porta do camião, surpreendido e até levemente assustado olhei para baixo, era o Sr. da Padaria com quem tinha estado a conversar um pouco, disse-me que iria fechar dentro de algum tempo e perguntou-me se já tinha comido; Eu nem sabia o que responder, resolvi ser sincero, Não, senhor; Então disse-me que após o fecho da padaria ele fazia gosto de me levar a casa dele para jantar, eu sinceramente fiquei assim um pouco indeciso, ele insistiu e eu acabei por aceitar.
Em casa do Padeiro, além de me colocar totalmente a vontade, tomei banho e sentamo-nos na sala juntamente com o Pai dele, trocamos impressões acerca dos dois países, de confusões políticas e até falamos de futebol, enquanto a Mulher finalizava o jantar para nós;
Tinha dois filhos solteiros que já emancipados viviam cada qual na sua casa, e a conversa foi interrompida com o anunciar do jantar pronto.
Lembro-me perfeitamente que me perguntou o que bebia, cerveja disse eu, abriu o frigorifico e mostrou duas ou três marcas, eu escolhi uma e sentei-me; O jantar demorou bastante e foi delicioso, tanto em comer como em companhia como também em sabor...
Perguntou-me se queria dormir no quarto que normalmente servia para os filhos, eu agradeci mas preferi nanar na camioneta, no final do jantar levou-me ao mesmo sitio e fui dormir.
De Manhã disse-lhe bom dia, já estava a trabalhar, passados alguns minutos já eu estava dentro da padaria a ajuda-lo no que sabia e decididamente senti-me em casa; Passei um dia de Sábado num ápice, logo fiquei a ser o ajudante dele para aquele fim de semana, fomos almoçar e á noite jantar; Durante a noite tinha um ou dois empregados que com musica e umas cervejas conseguimos todos juntos fazer pão e outro bolos muito mais alegres do que talvez em outros dias, pelo menos para mim, era o que eu sentia.
No Domingo era normal ter vários cabritos a assar no velho forno, os clientes na hora marcada lá apareciam para os levantar, eu era novidade ou noticia na pequena vila ou no pequeno largo com um enorme camião estacionado tanto tempo, as pessoas questionavam, já falava com os clientes e tudo.
Pela primeira vez, em toda a semana, nesse domingo o Padeiro foi ao café não sei por mim ou por ser habito dele, tomamos um aperitivo, conversou um pouco e lá nos dirigimos para casa;
Almoçamos e após o almoço informou-me que tinha que fazer uma visita a um amigo no hospital; Não me levou ao camião, disse-me para fazer companhia ao Pai dele e ver o futebol que ia dar na televisão, ali fiquei com a casa totalmente a disposição;
O Pai dele já com uma idade avançada tinha uma certa dificuldade em andar.
Ao fim do domingo, chegou e levou-me ao camião e perguntei-lhe porque tinha feito isso;
Disse-lhe que me acolheu em sua casa, todo aberta, frigorifico comida partilhei com a família; Á! Houve uma tarde em que vim ajudar a Mulher na padaria a fazer bolos pequenos; E queria saber porque razão ele confiou em mim .
Respondeu-me com um olhar humilde e uma voz comovida, colocou-me uma mão no meu ombro e disse-me;
Sabes, Eu, antes de ter a padaria era camionista como tu; Durante 18 anos percorri muitas estradas; Pela minha família, e ao ver os meus filhos cada vez maiores sempre que chegava a casa, tentei mudar de profissão; A de Padeiro, ensinada por uma outra pessoa que me ajudou imenso e que me explicou tudo o que sei hoje.

Hoje continuo a sentir o mesmo carinho, gratidão sem preço e admiração por aquele Casal Basco em Villatuerta.

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